quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Os dez mandamentos, DeMille 1956

É, segundo suas declarações, a atualidade da mensagem bíblica que conduz DeMille a empreender, no meio dos anos 50, um remake do seu primeiro filme bíblico de 1923. Os Dez Mandamentos conta, com efeito, a odisséia alegórica do combate da Liberdade contra todas as formas de autoritarismo. O destino quis que DeMille assinasse ali o seu testamento, elaborado com mais cuidado ainda e numa liberdade de manobra, uma tranqüilidade de espírito tão grandes como em nenhum de seus outros filmes. A Paramount assinou, por assim dizer, um cheque em branco. Estimado em 8 milhões de dólares, o orçamento subiu, sem problemas, até 13. A escrita do roteiro se estendeu sobre três anos e uma preparação extremamente estimulada (poussé) e meticulosa precedeu em dois as filmagens propriamente ditas. Um resumo das pesquisas e da documentação reunida foi publicado por Henry S. Noerdlinger em um volume que faz um apanhado do caráter polivalente e aprofundado das diferentes investigações efetuadas antes das filmagens. Instintivamente, DeMille procurou sintetizar os aspectos desconjuntados da primeira versão: a força ditatorial, a dramatização da intriga, a estilização plástica da imagem, a busca pelo épico e pelo espetacular. No que concerne à dramatização, ele escolheu contar a história do indivíduo Moisés, quer retomando algumas teorias feitas por historiadores para preencher as lacunas biográficas da Bíblia, quer formulando outras para o filme. « O dever de todo historiador é de fazer um relato exato de fatos conhecidos e comprovados. O dever de todo dramaturgo é preencher as lacunas entre esses fatos. » Uma parte da imaginação entrava assim no filme, dando ao maravilhamento (ou maravilhoso) cristão uma nova juventude expressiva. Inventados de todas as peças ou tirados da História e reinterpretados, diversos personagens ganharam então uma sutileza, ou mesmo uma ambigüidade inesperada (cf. o personagem de Nefertiri). Esta vez, contrariamente ao que se tinha passado em 1923, DeMille pôde ir ao lugar e beneficiou o filme com recursos (moyens) mais colossais ainda.
Inultrapassável no plano do espetacular ( a partida dos Hebreus do Egito é sem dúvida a sequência mais “povoada” de toda a história do cinema), Os dez mandamentos, no entanto, permanece fiel no plano plástico ao estilo voluntariamente arcaico de DeMille e à sua visão de um espaço de duas dimensões. “ A disposição dos volumes e de sua apreensão (...), escreve Michel Mourlet ( Cahiers du Cinema, 97) fazem de seus planos, com frequência, uma pintura plana. Mas, em suma, por que DeMille preocupou-se tanto com o espaço? Um homem e uma mulher , desnudos “à antiga”, palmas ao vento, uma paixão simples lhe seriam suficientes para estabelecer, na ordem dos gestos, um equivalente aos afrescos egípcios, dos quais a perspectiva está ausente, mas não o coração”.
Sendo um dos mais sóbrios e menos delirantes de seus filmes, Os dez mandamentos manifesta também a aptidão única de DeMille em manipular, dispor, integrar no formato 1,33 dezenas de milhares de figurantes e de animais ( 20 000 figurantes e 15 000 animais) com a precisão maníaca de um miniaturista. Reconhecemos enfim a dimensão mais preciosa de seu estilo nesta arte de estriar de detalhes familiares e tocantes uma trama histórica e religiosa que, sem estes detalhes, arriscaria desabar sob o peso do gigantismo e da desumanidade.
Nota: O prólogo ( cerca de 2 minutos) no qual DeMille vem apresentar seu filme ao público diante de uma cortina de teatro é geralmente omitido das cópias de relançamento e das que passaram na televisão. Ele figura em uma tiragem do filme em vídeos americanos.
Jacques Lourcelles
Tradução: Matheus Cartaxo e Luiz Soares Júnior.

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