quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Sedução da Carne, Luchino Visconti 1954

A breve novela de Camilo Boito (1883) forneceu a Visconti a matéria de seu melhor filme e de uma das obras-primas do cinema italiano. Poder-se-ia mesmo afirmar que se trata do único filme “caligrafista” (calligraphique) italiano em cores. Visconti retorna a este movimento estético e a esta inspiração nascidas, bem o sabemos, de uma secreta oposição ao fascismo nos últimos anos do regime (e do qual Malombra é o filme-chave). Eles constituem, muito mais que o neo-realismo, o seu verdadeiro universo de artista. A intriga de Senso mostra o naufrágio de dois personagens em seu amor, qualificado por eles mesmos como triste e vergonhoso, amor este que conduzirá à sua recíproca destruição. Eles são um para o outro sua prisão e seu carrasco. Toda sua aventura se desenrola “à parte” (à coté) da História, da qual sua fraqueza, passividade e uma espécie de maldição social os impede de participar. São os representantes impotentes mas lúcidos de um mundo prestes a desaparecer. O positivo está morto neles, e eis a razão pela qual aqui é difícil falar-se em melodrama ou de ópera. Certo, a ópera é a referência estética maior que acompanha suas trajetórias, mas ela age à semelhança de um réquiem, do qual o lirismo gélido e fúnebre não nos permite experimentar por eles a menor piedade. Visconti pousa sobre seus personagens um olhar frio e distanciado, descreve-os em longas cenas anti-dinâmicas onde abundam os planos gerais, que colocam entre eles e os espectadores o máximo de recuo permitido pela mise-en-scéne. Sob o plano estético, o sucesso do filme (apesar das dificuldades e obstáculos encontrados por Visconti) aproxima-se da perfeição. Os dois intérpretes principais são inesquecíveis, e Alida Valli prolonga com uma coerência profunda o papel que desempenhara no Piccolo mondo Antico, assim como aqueles de Isa Miranda na época do caligrafismo. O mesmo refinamento caracteriza as cenas intimistas do filme e os “tableaux” de guerra. Estes últimos figuram entre os mais belos de um gênero que o cinema hesitava na época tratar em cores. Na parte consagrada à batalha de Custoza, Visconti teve de suprimir algumas cenas, das quais a ausência prejudica a clareza da narração (exemplo: aquela em que Ussoni recusa a seus partidários o apoio às tropas regulares). Contudo, o “ponto de vista de Fabrício”, tão frequentemente de forma vã chamado em defesa, permite aqui justificar sem artifício a confusão, plásticamente soberba, desta parte da narrativa. A produção e a censura tiveram uma influência conjunta para tirar do filme todo o lado negativo desejado por Visconti. Aliás, foi-lhe proibido chamar o filme de Custoza, nome da célebre derrota italiana, como era o seu desejo. É sob pressão que ele filma, a título de desenlace, a morte de Mahler, execução que julgava inútil mostrar. Ele a filmou no castelo Santo Ângelo em Roma e não em Verona, que a equipe já tinha deixado para trás.

Vejam a descrição dada por ele nos Cahiers du Cinema (número 93) a respeito da seqüência que ele havia filmado para terminar o filme, ao invés da execução do tenente: “ Vemos Lívia passar por entre grupos de soldados bêbados, e o fim mostrava um pequeno soldado austríaco, muito jovem, no máximo 16 anos, completamente bêbado, apoiado contra o muro, cantando uma canção de vitória como as que se ouve na cidade.Depois ele parava, chorava e gritava: Viva a Áustria!” Não podemos, evidentemente, julgar a respeito da qualidade deste final, mas o que conhecemos é perfeitamente lógico e admirável. Ele acresceu ao filme alguns dos planos mais significativos do estilo de Visconti. Nos vinte anos que se seguiram a Senso, Visconti foi sem dúvida mais livre, mas não reencontrou jamais o gênio que manifesta aqui. Ele se embrenhou pouco a pouco no academicismo e, comparado ao rigor e à plenitude estética deste filme, seu tão elogiado Leopardo, onde ele tentou vulgarizar sua temática e seu universo, é apenas um “pensum” extremamente cansativo.

Nota: o diretor de fotografia G. R. Aldo morreu em um acidente de automóvel no decorrer das filmagens.

Jacques Lourcelles. Tradução: Luiz Soares Júnior.

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