quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Eric Rohmer, por Serge Daney



Primeira qualidade do cinema de Rohmer: a paciência. Não somente no caso de um homem seguro de si o suficiente para se impor- ao termo de um longa-metragem e de alguns filmes pedagógicos- como um dos “grandes” do jovem cinema francês. Mas também em uma obra onde tudo nos leva a esta virtude primordial: saber esperar, aprender a ver; ambas as atitudes são, graças ao cinema, uma única e mesma coisa. Como se o mundo não passasse de um imenso repertório de lições de coisas, repertório este do qual nunca se fez realmente o inventário.
O primeiro olhar não ensina nada. Mas há por detrás da neutralidade das aparências – em Rohmer, nada é sublinhado, e ainda menos privilegiado- uma lição a merecer, uma ordem a descobrir, uma verdade a pôr em evidência. Esta lenta maturação constituirá o próprio tempo do filme, ou seja: ela, longe de excluir os tempos mortos e os detalhes, apenas será possível por meio destes.
O princípio é simples então: catapultar idéias contra experiências, observar escrupulosamente e ver o que resulta daí. A experiência é para Rohmer um pouco o que foi para Hawks: a única realidade, que nos informa onde estão o possível e o impossível, recusando o segundo, buscando esgotar o primeiro. Toda idéia que não foi experimentada- ou seja: encarnada, filmada- não existe. A mesma coisa com os personagens: para que lhes seja consentido “ver” alguma coisa, é-lhes necessário um périplo, uma iniciação, uma prova ao termo da qual eles terão merecido o que já possuíam, mas que deveria tornar-se mais interior ( devenir plus intérieur), melhor assimilado por eles. No Signo do leão, é preciso merecer a riqueza por meio de um teste de pobreza que o obriga a redescobrir tudo; logo, a ver melhor. A mesma situação, só que num registro menos grave em La Boulangère de Monceau.
A experiência exige a maior honestidade possível, muitos escrúpulos e meticulosidade. Mas Rohmer é o cineasta assombrado pela geografia, as cidades, os mapas, as pedras, tudo o que pode oferecer esta resistência impessoal que torna as aventuras humanas mais exemplares.
A ficção, contudo, é sempre uma fraude; é preciso dissimular, gerir seus efeitos. É justamente o contrário que ocorre com os filmes pedagógicos, onde Rohmer reencontra a paixão da precisão, o ódio do “flou” e da entropia, a beleza de um raciocínio e o caráter inelutável de toda experiência. Nos Cabinets de physique au XVIII siècle, que é talvez sua obra-prima, é-lhe suficiente filmar uma experiência de Física, passo a passo, para que nasça a emoção mais simples. E a mais estranha também, pois nascida unicamente da exatidão.

Dictionnaire du cinema, Éditions universitaires, 1966
Tradução: Luiz Soares Júnior.

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