1949 - Usa (95’). Prod. RKO (John Houseman). Real. Nicholas Ray. Roteiro: Charles Scheene, Nicholas Ray, a partir de “Thieves Like Us”, de Edward Anderson. Foto: George F. Diskant. Música: Leigh Harline. Int: Cathy O’Donnel (Keechie), Farley Granger (Bowie), Howard da Silva (Chickmaw), Jay, C. Flippen (T. Dub), Helen Craig (Mattie), Will Wright (Mobley), Ian Wolfe (Hawkins).
Primeiro filme de Nicholas Ray, inscrito no campo ao mesmo tempo estrito e aberto a todas as transgressões do filme noir. Desde sua primeira obra, e de uma forma quase espontânea, Ray torna-se um expert na transgressão de gêneros. Ele negligencia, ainda mais que Huston em The asphalt jungle, a ação propriamente dita, escamoteia várias cenas espetaculares e passa de lado pela briga onde Howard da Silva (Chickamaw) encontra a morte. O que lhe interessa é mergulhar seu casal de jovens inocentes, Bowie e Keechie, em um mundo noturno e violento, composto quase unicamente de lugares de passagem (motel, sala de espera, auto-estrada), onde se esvaem a melancolia e a angústia dos personagens que os atravessam. O relevo selvagem dos personagens secundários, Chickamaw o cego, Mattie a delatora, que em si mesmos interessam pouco a Nicholas Ray, lhe servirá para exaltar a juventude e a vulnerabilidade dos dois heróis, descritos com este tom de lirismo terno e empolgante que nunca teve tanta força quanto em seu estilo.
Como em muitos de seus filmes, trata-se aqui essencialmente de uma obra poética, ou seja, uma obra na qual a figura da metáfora orienta toda intriga do filme, tanto em seus desenvolvimentos quanto em seus parênteses. A desorientação, a inadaptação ao meio (a um meio degradado, apodrecido) que caracteriza os dois heróis representa a melhor imagem que Ray encontrou para exprimir o exílio interior do homem e este sentimento de estranhamento (étrangeté) a tudo , e em primeiro lugar a eles mesmos, que sentem certos seres ao longo de sua vida.
Nota: John Houseman, que na RKO deu a primeira chance a Nicholas Ray e foi um dos produtores mais criativos de Hollywood recorda (em Cahiers du Cinema, 143) que o filme foi conservado 3 anos nos arquivos da firma, assim como The set-up de Robert Wise. “Finalmente, quando Hughes decidiu vender a companhia, tiraram estes filmes dos arquivos e os colocaram no mercado”. They live by night foi completamente ignorado em sua primeira estréia americana como um filme B, e só foi realmente conhecido bem mais tarde, graças à TV. Neste ínterim, porém, a Europa havia descoberto o filme e Nicholas Ray. É preciso acrescentar que, apesar de algumas superficiais semelhanças de roteiro, o filme não tem nada a ver com You only live once (que Ray não tinha ainda visto na época) nem com Gun crazy (Joseph Lewis, 1948). Remake sob o título Thieves like us por Robert Altman em 1974.
Jacques Lourcelles. Traduzido por Luiz Soares Júnior.
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