Vemos
claramente hoje, a mais de sessenta anos da sessão do Grande café, que uma
palavra simboliza tanto a substancial história da arte cinematográfica, assim como a maneira com que
a linguagem crítica se empenhou em dar conta dela. É a palavra mise en scène,
que se aplica com efeito, com igual ventura, ao L’Arroseur arrosé, O
Assassinato do duque de Guise, Nascimento de uma nação, O encouraçado
Pontenkime ao último Preminger. Dos dois conceitos gêmeos que permitem à
crítica “captar” os filmes ( como se usasse um bisturi), a palavra mise en
scène designa antes aquilo que, para além do sujeito, designa o “modo de fazer”
( rendu).
Desde
Delluc, julgar um filme consiste sempre em julgar a interpretação dos atores,a
qualidade dos diálogos, a beleza da fotografia, a eficácia da montagem. E se,
durante trinta ou quarenta anos, a crítica pôde se acercar com mais
precisão de seu objeto, é que de fato o cinema não evoluiu,. Ou antes: que ele
só evoluiu no interior do conceito definido pelo de mise en scène.
Desde
então, compreende-se o embaraço de nossos críticos diante das obras mais
representativas dos últimos anos: é que eles são vítimas de sua linguagem.
Porque os filmes hoje falam cada vez menos a linguagem da mise en scène, então como
então os críticos prisioneiros desta palavra poderiam compreendê-los? Acho que
não há ainda hoje, em 1967, diálogo justo entre a crítica e os filmes de
Godard. Armados de um vocabulário ultrapassado, os críticos só podem falar de
forma conveniente de filmes ultrapassados. Os outros, os que nos importam,
permanecem convenientemente longe de seus campos de percepção. Pois não é que
eles os desprezam; eles não os enxergam.
Ora, o
que questionamos nós, aqui no Cahiers? Que se faça um pouco de luz sobre este
estado de coisas, ou que ao mesmos iluminemos os pés da dançarina!!Petrificados
como todos em conceitos extenuados, o que temos feito? Ok, temos essencialmente
nos esforçado de nos ajustar ao cinema novo- explicando, por exemplo, (
tranqüila ou raivosamente) que a mise en scène não é apenas o “rendu”( o modo
de fazer”), mas a idéia também; não apenas a premeditação e a ruse ( esperteza),
mas também o collage e o acaso; não apenas o exuberante plano de grua da
abertura da Marca da maldade, mas também estes planos “jogados na lixeira” de
que fala Chabrol a propósito de alguns Aldrichs; não apenas a extraordinária
performance de Audrey Hepburn em Philadelphia story, mas também as patéticas
aparições destes heróis documentários que encarna Jean-Pierre Léaud nos filmes de Truffaut,
Godard, Eustache, de Skolimowski; em suma, que a mise en scène não é apenas a
mise en scène, mas também o contrário do que havíamos pensado seguindo a linha
de Delluc.
É-nos
necessário perguntar para que serve uma palavra que é necessário sem cessar explicar, sem
cessar impor esclarecimento circunstanciados pelos filmes, segundo o autores. Por
que não nos desembaraçarmos, como fez a pintura da palavra figurativo? Por que
não abandoná-la uma vez por todas àqueles que, sintomaticamente, dela se
orgulham tanto: os Delannoy e Duvivier, os Prat e Lorenzi, ou ainda Barrault e
Villar- ou seja, àqueles todos que fazem da mise en scène uma Tróia do romance
balzaciano, zumbis aplicados na sobrevivência de um cinema ( ou de um teatro)
exangues, trabalhadores cegos que assombram estes sepulcros irrespiráveis que
são a maioria das salas de cinema (e de teatro) de Paris e de qualquer outro
lugar? E se a crítica consiste em falar do cinema até que o cinema fale por si (
vê-se aí como é absurdo opor crítica e cinema de outra forma que a relação da
moeda e seu inverso), por que não buscaríamos os conceitos de que somos
necessitados nos domínios vivos da publicidade, da cibernética ou mesmo da
pintura, da escultura
ou da música?
Um autor chinês
conta que pescadores cegos jogavam um dia sua rede num lago.
Então,
abramos os olhos! o cinema se deslocou. Não tentemos mais pescá-lo.
Cassemo-lo!.
André
Labarthe
Cahiers
du cinéma, número 195 novembro 1967
Tradução:
Luiz Soares Júnior
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