quinta-feira, 5 de março de 2009

2001, uma odisséia no espaço, Kubrick

Como disse Jacques Goimard: “2001 é o primeiro filme desde Intolerância que é ao mesmo tempo uma superprodução e um filme experimental”. Ao contrário de várias superproduções holywoodianas, este filme emana, no sentido e na forma, de um único homem, sem passar de mão em mão, apesar de possuir uma gênese longa ( 1964-1968), durante a qual o orçamento inicial cresceu de seis a dez milhões e meio de dólares.
A contribuição do roteirista e escritor de Ficção científica Arthur Clarke foi muito importante. No início de 1964, Kubrick propõe a Clarke escrever um roteiro com vistas a um filme de ficção científica , mas que primeiro teria a forma de um romance escrito a duas mãos. O ponto de partida do romance e do filme foram as novelas de Clarke “The sentinel” ( escrita em 1948) , “Encounter in the Dawn” ( 1950) e “Guardian Angel” ( 1950). O trabalho de escritura e preparação do filme duraram até 29-12-1965, data do primeiro dia de filmagem. A filmagem se estendeu por cerca de 7 meses ( nos estúdios Boreham Wood, na Inglaterra) , e a pós-produção ( mais de 200 planos do filme necessitaram de efeitos especiais) só chegou ao fim no começo de 68.
O trabalho e a inspiração de Kubrick visavam dois fins paralelos: realizar o filme de FC mais espetacular feito até ali ( com as maquetes, os efeitos especiais mais bem cuidados e sofisticados, graças ao talento de Douglas Trumbull) e destilar uma espécie de poema filosófico sobre o destino do Homem em sua relação com o Tempo, o progresso e o universo. Esta dupla ambição conduz a uma obra de construção muito original e arriscada, feita de quatro blocos relativamente autônomos, o que coloca também em relevo o virtuosismo de Kubrick e sua vontade de percorrer o campo quase completo do gênero ( como bem o coloca Bernard Eisenschitz em Cahiers du Cinema 209: “O domínio de Kubrick aparece na justaposição e combinação de quatro grandes motivos característicos: FC pré-histórica, antecipação a curto prazo, viagens interplanetárias, enfim grandes galáxias, mutantes no hiperespaço”).
Basicamente, 2001 é um filme de angústia- uma angústia difusa, glacial, cuja substância é , por assim dizer, consubstancial à existência do homem no universo. É a angústia- física e metafísica- do homem perdido nos espaços infinitos, mas também acossado, em todas as épocas, pela próxima etapa- inelutável- do progresso científico, que não deixará de ser para ele ainda mais destrutivo que construtivo.
Mas 2001 é também um filme de especulação: a influência dos extra-terrestres ( que se manifesta nos monólitos), a mutação final do herói engendrarão talvez uma forma de vida e de desenvolvimento menos decepcionante, menos imperfeita que aquela conhecida por nós. Sob esta perspectiva, o filme pode ser julgado otimista. Mas enquanto o pessimismo de Kubrick é ressentido como uma evidência durante a maior parte do filme ( onde mesmo a vida cotidiana dos personagens, tornados simples servos das máquinas e do cérebro que os comanda, engendra uma deprimente monotonia, semelhante ao “tédio mortal da imortalidade” de que fala Cocteau), seu otimismo permanece puramente especulativo e, enquanto tal, existe apenas como um imenso ponto de interrogação. Otimismo a bem dizer muito relativo, uma vez que tudo o que poderia advir de melhor para o homem viria “de fora”, e sem que este o tenha decidido. Kubrick parece mesmo emitir a hipótese de que toda evolução científica do homem pode ser determinada pela intervenção de extra-terrestres.
No plano formal, Kubrick alterna com uma maravilhosa plenitude o aspecto contemplativo ( evolução das naves no espaço) e o aspecto dramático ( vide o extraordinário duelo entre Keir Dullea e o computador Hal 9000, que não terá a última palavra). Ele irisa os vastos espaços de angústia disseminados pelo filme com estreitas zonas de humor. Humor ora relativamente secreto ( troca de banalidades entre os astronautas) , ora mais evidente ( utilização da música de Johann Strauss). Tudo o que se sabe a respeito da elaboração do filme, das hesitações e tateamentos de Kubrick mostra que ele desejou ir cada vez mais longe na direção do silêncio, da economia, do segredo e do mistério. Nesse sentido, ele suprimiu o comentário em off do início, reduziu ao mínimo o número de membros da equipe da Discovery, renunciou a mostrar os extra-terrestres. Esta direção foi muito benéfica para o filme. Estimulou, como nunca antes num filme com tal orçamento, a imaginação do espectador. ( E é significativo que a maioria dos comentários escritos sobre 2001, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, sejam no geral de um altíssimo nível). Ela teve igualmente por efeito dirimir no estilo a tendência de Kubrick a sublinhar pesadamente seus efeitos e suas intenções: de todos os seus filmes, 2001 é o mais sóbrio, mais completo e mais bem acabado. No que concerne à história da Ficção Científica cinematográfica, 2001, que criou em seu lançamento um choque cujo eco ainda hoje não se extinguiu, se situa na crista de uma década na qual o gênero deveria tornar-se enfim predominante, depois de ter sido considerado minoritário e marginal durante cinqüenta anos em Holywood.
Jacques Lourcelles
Tradução: Luiz Soares Júnior.

Um comentário:

Sam disse...

É o filme da minha vida.

Por tudo o que aqui é descrito e pelo facto de ser uma obra sem paralelo nem comparação (antes ou depois) na história centenária da Sétima Arte.

Acima de tudo, merece ser revisto várias vezes: para nos estimular, constantemente, a imaginação ou para nos fascinar com a proeza técnica que 2001 encerra.

Cumps. cinéfilos.