Ao
permanecer fiel a si mesmo, John Ford torna-se novamente um cineasta de
vanguarda. Semelhante permanência nos temas e na escritura conduziria qualquer
outro ao academicismo. Mas a juventude de seu coração, e sobretudo uma fé profunda
e intacta em uma tradição preservam este autor da secagem das fontes. Não há em
sua obra um único ensaio de renovação. O sargento negro poderia ter sido
filmado em 1938, ao mesmo tempo em que No tempo das diligências. Ele não aporta
nada mais. Mas é tão belo quanto.
Reencontramos
no filme os personagens caros ao autor: o coronel amuado, o jovem tenente
intrépido e as mulheres cacarejantes e deliciosamente ridículas. O humor é
rijo, tônico e “simpático” ( bonhomme).
Nada aqui é complicado. Um sargento negro, logo após a Guerra da Secessão, vai
para uma corte marcial. Acusam-no de dois assassinatos e do estupro de uma
Branca. As testemunhas desfilam diante das barras do tribunal. Por uma sucessão
de flashbacks, a verdade vem à luz. O sargento negro aparece-nos como um
soldado de honra e um verdadeiro homem. Seu defensor, o jovem tenente,
defende-o calorosamente. A verdade finalmente advirá perante todos, o assassino
desmascarado.
A arte de
John Ford é tradicionalista porque se funda sobre as virtudes dos simples.
Virtudes, em nossos dias, esquecidas, ou mesmo desprezadas. É por isso que
vários espectadores saíam deste filme rindo de suas ingenuidades, assim como de
seus bons sentimentos. É bem evidente que Ford negligencia as sutilezas. Os
refinamentos intelectuais o interessam menos que a nobreza do coração.
Seu estilo
também não está ali para nos arrebatar. De um classicismo absoluto. Encontramos
mesmo alguns arcaísmos, como este procedimento que consiste em obscurecer
lentamente a sala do tribunal para anunciar um flashback. Tudo aqui está
perfeitamente em seu lugar. As ações em primeiro plano respondem às que se
desenrolam na profundidade de campo, como os planos americanos aos gerais. Um
estilo sólido como rocha. Mas no interior sentimos o frêmito e a sensibilidade
áspera do excelente artesão. E que admirável direção de atores! Um pouco pesada
talvez, mas que sabe revelar com justeza admirável as reações exatas das pequenas
gentes. Sabemos que Ford os conhece e ama, embora caçoe de seus defeitos.
E neste
mundo de simplicidade onde este cineasta nos lança, não são os momentos
melodramáticos os que nos transtornam mais. Mas antes certas imagens ingênuas (
naïves) , ou mesmo cromos. Elas adquirem subitamente no contexto uma força
emocional extraordinária. Assim, certa imagem do sargento negro destacando-se
orgulhosamente contra luz, enquanto vela por seus camaradas. É preciso redescobrir
John Ford, cineasta ilustre e desconhecido.
Jean
Douchet, Arts, número 794, do 2 ao 8 de novembro de 1960. Extraído de A arte de
amar
Tradução:
Luiz Soares Júnior
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