Se Two Lane blacktop se demarca não apenas de alguns filmes precedentes,
mas também da corrente onde flutuam- se revoca, por exemplo, a condição humana de Fat city não é porque
ao esquematismo do filme de Houston ele oporia uma espessura mais generosa e
melhor estratificada do vivido, mas porque recusa radicalmente a economia de
acumulação destes filmes. Ele dilapida sua narrativa. Warren Oates de um lado,
James Taylor e Denis Wilson de outra apostam em quem, no volante de um Pontiac
novo ou de um funny car, antigo
Chevrolet modificado pelas corridas de dragsters, vai chegar primeiro pelas
rotas de corrida a Washington. Mas o fio da corrida é rapidamente perdido, e o
duelo reduzido ao preâmbulo do desafio. Só permanecem a trama dos encontros,
das expectativas e dos esquecimentos: uma cena submergida pelo acidental e pelo
fortuito. A referência embaraçosa da finalidade cede espaço a um real que se
desenrola infatigavelmente, cambiante, pródigo de si mesmo, a um filme sem fim.
A ausência de toda fricção episódica conserva para o filme uma aceleração
implacável que apenas pode ser interrompida pela destruição conjuratória da
película, a abolição simulada do suporte.
Esta densidade vem também de uma abundância estritamente
técnica. A competição automobilística parece ser aqui assunto de iniciantes, os
únicos capazes de apreciar o ritual do topfuel,
a água de Javel desperdiçada para limpar os pneus, as referências estroboscópicas
sobre os volantes airados; os sinais, improvisados ou não, dos protocolos de
partida, onde os carros avançam ou recuam por sobressaltos bruscos. Mas estes
detalhes evitam tanto a preguiça dramática quanto o folclore; eles não são os
motivos ou os acessórios de um encadeamento aristotélico, mas uma estranha
moeda. O seu esoterismo relativo leva-os a aceder a uma autoridade
significante, onde a satisfação do conhecedor e o ressentimento do profano
lutam com armas iguais. Em um filme onde não circulam apenas automóveis, mas as
opiniões, os amores, as armadilhas e os encontros, eles favorizam um comércio
desregrado onde a multiplicação dos signos não é o objeto de uma troca, mas de
um tráfico. A enumeração não compra a cumplicidade do espectador, mas lhe
sublinha a estranheza da Verfremdung ( Alienação). O espetáculo elide seus
resultados. Estas peças, ao ocultar tão cuidadosamente seus golpes, seriam peças
falsas? O diálogo cruza duas linguagens semelhantemente pletóricas e semelhantemente
aberrantes. Taylor e Wilson abusam de um vocabulário , de uma sintaxe e de um
estilo, no sentido próprio: mecânicos, e que são a equivalência verbal da
insistência técnica das peripécias, tão intolerável que se deixa absorver em
uma paródia de silêncio. Warren Oates, este papagueia como um perfeito
mitômano. Ele só pega os passageiros para reconduzi-los ao espanto, seduzi-los
ou desfazer-se deles à força de um bluff. Soldados, velhas senhoras e
pederastas, cada um tem seu direito a um refrão de cabotinagem, de hipocrisia
ou de vexatório desprezo, de que o imaginário só livra uma boa vontade veemente
e frustrada. Aqui também o “pleno” imita o vazio: ele provoca, mas desencoraja
a resposta. Este discurso reproduz as rotas do cenário. Ele constitui-se na via
de uma circulação alucinada e obstinada. A palavra é deteriorada pelo significado; ela se anula, na busca obstinada
de sua própria transparência. Two Lane blacktop é um drama do anonimato. Os
personagens se designam, mas sem se interpelar. Eles se chamam pelos
sobrenomes, mas não possuem um nome.
Um irreparável
estilhaçamento
Esta estranheza, onde colaboram o fracasso das peripécias e
a morte do diálogo, é muito próxima do patético. Uma carta do Tendre 1 lunaire se
fende, sob a força de tensões, em um irreparável estilhaçamento. A história de
amor é de forma clássica: Laurie Bird, a caronista, passa de um carro a outro,
antes de abreviar toda esta divagação e fugir, livre. Ora, este classicismo não
é contrariado por uma subversão temática, e também não explode sob a pressão
interior do sentimento. Ele não se rasura porque instala-se na própria cratera
da narrativa, ali onde os eventos perdem seu sentido e onde a palavra gira
sobre o vazio e se fissura. O amor se constrói, e portanto se desfaz, no seio
desta recusa. Quando Taylor, para se declarar, conta à jovem impossíveis
histórias de termitas ( cupins) ou então a ensina a conduzir em vão; quando
Oates, por seu lado, desempenha seu papel de protetor e lhe oferece férias
quiméricas, eles não colidem contra a sua indiferença, mas escutam,
amplificado, o eco de seu próprio silêncio. A emoção não é o fruto da
identidade e da presença, mas igualmente o contrário da dessemelhança e da
Distância. Ela se confunde com uma nostalgia discreta, como neste último plano
onde passa, solitário, o cavalo do western.
Louis Seguin, A crítica dispersiva; A lei, a utopia
Tradução: Luiz Soares Júnior