sexta-feira, 27 de março de 2009

O mensageiro do diabo, Charles Laughton 1956

Este filme inclassificável, que foi um fracasso comercial e impediu Charles Laughton de continuar uma carreira de metteur em scéne, foi sempre muito apreciado por alguns cinéfilos. Tomando emprestado característica de diversos gêneros cinematográficos ( western, filme noir) , não se encaixa em nenhum mas , no plano literário, se inscreve nesta linha de contos negros, narrativas de aventuras mais ou menos fantásticas e “de pesadelo” , onde as crianças são ao mesmo tempo os heróis e as vítimas ( Moonfleet de Lang, adaptado do romance de John Meade Falkner, Tempestade na Jamaica de Mackendrick, adaptado de Richard Hughes, Our mother’s house, de Jack Clayton, adaptado de Julian Gloag, etc). Em sua autobiografia, Elsa Lanchester, esposa de Laughton, afirma que ele começou a escrever o roteiro com David Grubb, autor do romance original, depois encomendou uma adaptação a James Agee, que ele julgou muito longa e realista. Laughton a remodelou e encurtou, com o objetivo de que esta reencontrasse uma parte do onirismo e do insólito da obra original, que havia perdido ( James Agee morreu em 1955 com 45 anos e não pôde ver o filme terminado).
O relativo “desajeito” do filme no plano dramático reforça ainda mais sua estranheza. O desenvolvimento da história, articulada em três fases, onde se mesclam confusamente um ponto de vista objetivo do narrador e o ponto de vista subjetivo das crianças, conta muito menos no filme que a atmosfera e os personagens. Se é absurdo dizer, como foi feito, que Mitchum encontra aqui seu melhor papel e foi descoberto a partir deste filme (!), não há dúvida de que seu personagem é dotado de originalidade incomum. Ele possui muito de Barba Azul, de ogre e todos esses seres míticos que fascinam e aterrorizam a imaginação infantil. Alguns, sobretudo em razão da cena final da prisão, quiseram ver em Powell um substituto da figura paterna para as crianças. Embora aparentemente encorajada pela substância do filme, este tipo de exegese psicanalítica corre o risco da gratuidade e nos deixa insatisfeitos. É sobretudo plasticamente que o filme é surpreendente. Deve muito isso ao trabalho do operador Stanley Cortez. Os cenários de inspiração gótica e expressionista evocam também o universo escandinavo, o de Dreyer em particular. Os interiores ( recriados em estúdios) tem em comum uma compósita qualidade de irrealismo- ou de surrealismo- que dá ao filme sua bizarra coerência. Para além de toda racionalidade, a narrativa é pontuada de imagens e cenas inesquecíveis: o cadáver de Shelley Winters no fundo da água, o cântico que Lílian Gich canta, sentada na varanda, um fuzil pousado nos joelhos, e Mitchum que a persegue no jardim. Embora noir sob o ponto de vista plástico, o filme está longe de ser inteiramente pessimista. Uma parte importante de sua mensagem ( na última parte) visa a mostrar que a resistência natural das crianças e sua inocência podem acabar por vencer a loucura, a cupidez e o mal que são o quinhão de muitos adultos. Mas o que se tornarão elas quando crescerem?
Jacques Lourcelles
Tradução: Luiz Soares Júnior.

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