Adaptado do best-seller, audacioso para a época, de Kathleen Winsor, é sem dúvida a mais bem realizada das superproduções americanas. No entanto, as coisas tinham começado mal, porque ao cabo de algumas semanas de filmagem o metteur en scéne John Stahl e a vedete principal, Peggy Cummings, haviam sido demitidos por Zanuck antes que Preminger, então sob contrato na Fox, fosse obrigado a retomar o projeto, fizesse reescrever o roteiro e se tornasse totalmente o senhor do projeto. Situação um pouco semelhante àquela na qual ele estivera, nas vésperas de rodar Laura, com duas essenciais diferenças: aqui, o projeto não era de Preminger (ao contrário: ele se opunha a este); e a intérprete que ele desejava para o papel ( Lana Turner) teve de finalmente ceder o lugar para Linda Darnell, transformada em loira para a ocasião. Não se poderia, no entanto, imaginar uma Amber mais perfeita. Através de seu personagem, Preminger estudou o conflito da ambição e da afetividade, pintando uma heroína colocada na situação, não de preferir sua ambição aos sentimentos, mas de imaginar que apenas sua ambição pode servir a sua afetividade. Tendo escolhido um parceiro apático e indeciso, sequioso de respeitabilidade, ela vai passar a vida a se aguerrir e a esperar que deste endurecimento lhe venha por fim a felicidade. Ela vai viver uma série de decepções que encontrariam bom lugar num melodrama, mas que Preminger preferiu colocar no mais glacial dos estudos de costumes, situado no seio de uma reconstituição histórica com um fascinante esplendor plástico.O filme torna-se assim um devaneio sobre a impossível secura do coração, sobre o fiasco de uma heroína que não cessa de se perder nos cálculos e complots que arma, e dos quais espera, de forma vã, a libertação. É a irmã de numerosas outras heroínas premingerianas, por exemplo a Cécile de Bom dia tristeza.
Sua frustração, sua tristeza, seu estado de decepção quase permanente se estiram diante dela como abismos, enquanto que para o espectador a frieza da heroína a torna ainda mais empolgante do que se derramasse torrentes de lágrimas. Sua breve e tumultuosa trajetória vai se efetuar por entre a mais extraordinária coleção de cínicos, elegantes crápulas e monstros jamais reunida em um filme. Amber foi em sua época um dos mais caros produtos da Cidade do Cinema.Podemos ver isto na tela, e não teríamos palavras para descrever o gosto, a riqueza dos figurinos e dos cenários, a suntuosidade do Technicolor manejado com gênio por Leon Shamroy ( sobretudo nos closes de Linda Darnnel). Todo este fausto serve de espelho à acidez impertinente dos diálogos e à desilusão dos personagens ( ” Lutei toda tarde contra o fogo nas docas, diz Charles II à sua amante; nunca teria me esforçado tanto para subir no trono se soubesse que exigiam tanto de um rei). Para este adepto da técnica invisível que é Preminger, a arte dos movimentos de câmera aqui se mostra no auge, e na curta cena do parto de Darnell, o diretor nos dá o que talvez seja o mais belo plano sequência da história do cinema. Por seu gênio plástico, apenas para citar um de seus gênios, Amber está tão distanciado de nós e do que vemos hoje em dia no cinema quanto podem estar , por exemplo, um quadro de Velásquez ou de Rembrandt.
Jacques Lourcelles
Tradução: Luiz Soares Júnior.
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