O tema de Faces são os rostos, portanto a inquisição de uma
câmera mais que atenta perscruta sem parar os menores declives. Rostos que se
transformam em “caretas”( a palavra ‘faces’ em inglês tem os dois sentidos) ,
quando a mobilidade dos traços se fixa em expressão ridícula ou dolorosa. Dos
personagens destes rostos não se sabe grande coisa, pois nada mais é
interrogado senão aquilo que se pode ler justamente inscrito neles: excitação,
desejo, fadiga. Não se trata de forma alguma aqui de estados de alma intensos, nem de psicologia
em filigrana ( desta razão advenha talvez que não se possa conceber o filme
senão como 16mm inflado).
Daí venha também a impressão suscitada pelo filme de ser uma
enquete meticulosa, e que no entanto não capta nada; que gera o aparecimento ,
em vários momentos súbitos, de efeitos violentos ( divórcio, suicídio), sem que
de forma alguma a sutileza dispensada pelo filme permita que estes momentos
sejam explicados. O escândalo é tal que o espectador tem a impressão de que
faltam cenas, em particular a do suicídio- como? por que?
A nossos olhos, a beleza do filme de Cassavetes consiste em
nos fazer sentir este mal do cinema- a impotência que lhe cabe de direito de
explicar a interioridade, uma vez que não captura literalmente senão signos
exteriores; esta incapacidade talvez não seja isenta de parentesco com os
próprios males que se urdem secretamente na interioridade. Como se o próprio
silêncio que lhe foi relegado por todo cinema honesto fosse o lugar propício de
onde emana qualquer grito, silencioso pelo eco de seu próprio vazio.
Como os filmes de Godard, Straub, de Lefèbvre, Faces é um
grande filme do vazio, dilacerante por ser ao mesmo tempo vertiginosamente
exterior e bordejado pelos mais doentios domínios do “Dentro”. A saber, aqui o
estado completamente “abandonado” ( paumé) do indivíduo americano. As
diferentes vertigens, depressões, náuseas, delírios, preparatórios ou
consecutivos à ebriedade que vemos no filme poderiam facilmente ser
considerados como pudicas metáforas desta doença. Mas nada autoriza de forma
literal semelhante generalização simbólica. Para nós, a grande beleza do filme
vem antes de ter sabido servir-se dos efeitos do álcool- hipersensibilidade e
hiperlucidez, enternecimentos e epifanias- a própria forma, titubeante e
rigorosa, de sua poesia.
Sylvie Pierre, Cahiers du cinéma, número 205, outubro de 1968
Tradução: Luiz Soares Júnior
Nenhum comentário:
Postar um comentário