segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Glória feita de sangue


Quarto filme de Kubrick e o projeto mais original de seu início de carreira. A ajuda de Kirk Douglas foi decisiva para que o filme fosse feito, e o ator impôs Kubrick à United Artists. ( Em suas entrevistas e autobiografia, Douglas insiste no fato de que ele teve de obrigar Kubrick a retomar seu roteiro inicial, que este havia edulcurado e esquematizado para torná-lo mais comercial). Sabe-se que o filme só saiu na França em 1975- não que tivesse sido interditado oficialmente; simplesmente o omitiram ( ou seja: acharam inútil) apresentá-lo à censura. Esta omissão parece fazer eco a uma réplica do filme, pronunciada por Arnaud quando este evoca um café de sua cidade natal onde há sobre o balcão a seguinte placa: “Não tenha medo de pedir crédito pois acharemos uma forma bem polida de recusar”. O ponto forte do filme é antes de tudo a distribuição e direção de atores ( Adolphe Menjou genial, George Macready espantoso como sempre).

É através da interpretação dos atores que a ironia glacial de Kubrick, sua indignação contida se exprime melhor. À diferença do romance de Humphrey Cobb, onde os três soldados condenados eram os verdadeiros heróis da história, os oficiais graduados ocupam aqui o primeiro plano. Para Kubrick, é observando de perto seus estratagemas patéticos, sua ambição feroz, seus cálculos maquiavélicos que se descobre mais exemplarmente as raízes da inumanidade e absurdo dos conflitos de que são responsáveis. Para exprimir este ponto de vista pacifista com a maior eficácia e precisão possíveis, Kubrick escolheu se concentrar no grau mais elevado da hierarquia miltar. Este ponto de vista- observemos em passant- não tem nada de especificamente anti-francês. Podemos julga-lo limitado e atenuado pela vontade do autor de se abster de qualquer comentário político. O estilo de Kubrick, sólido, brilhante ( vide os travellings traseiros na trincheira), contrastado, é fundamentalmente clássico. Mas já o vemos trabalhado do interior por um toque de barroquismo, que aparece notadamente na escolha deste castelo do século XVIII ( nos arredores de Munich, onde todo o filme foi rodado) e da sequência do baile dos convidados de Broulard. Este leve barroquismo dá à atmosfera de várias cenas um componente alucinatório que, longe de prejudicar o realismo virulento do tema e da abordagem, pelo contrário lhe imprime maior intensidade. Como em Laranja mecânica, mas de uma forma muito mais velada, o barroco visual e plástico é em Kubrick coadjuvante de uma visão clássica, humanista e finalmente muito “racional” do mundo. A última seqüência, bem ambígua, é das mais belas da obra de Kubrick. Um sentimentalismo superficial apaga nos soldados o traço recente dos horrores e das injustiças que vivenciaram. Dizima também o ódio, o nacionalismo e todas estas barreiras artificiais que são a fonte corrente da Guerra.

Nota: O romance de Humphrey Cobb, antigo combatente do Exército canadense ferido no fronte francês em 1917, se inspira em diversos episódios reais da Guerra de 14. Por exemplo: a execução ordenada pelo general Deletoille de seis soldados escolhidos ao acaso. A execução do soldado na maca se inspira no episódio da morte do tenente Chapeland. Os historiadores estimam em cerca de 2000 o número de soldados fuzilados durante a Primeira Guerra.



Jacques Lourcelles, Dicionários de cinema.

Tradução: Luiz Soares Júnior.

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