O tigre de Bengala de Fritz Lang , revisto em versão original alemã no “Cinema da meia-noite”, na FR3, é o tumular monumento de toda uma época do cinema. É o ponto final de uma língua comum colocada por Hollywood no início dos anos 30, com o começo do cinema falado. Uma língua que, durante uma dezena de anos, vai se permitir os meios de desenvolver, seja grandes ficções sociais, seja modelos constitutivos de gêneros cinematográficos ( o policial, a comédia, a comédia musical, o western, o filme histórico,), seja os grandes romances ilustrados ( David Copperfield, Peter Ibbetson, E o vento levou). Em meados dos anos 40- depois dos anos do cinema militante para o engajamento dos EUA na Guerra- esta língua comum é com freqüência empregada a refinar a si mesma e tende a uma escritura mais abstrata. Constata-se uma súbita economia de insformaões na narrativa ( os jornais, e sobretudo a televisão, começam a fornecer estas informações, de que os filmes podem agora abrir mão), e mais, cada filme aprende da melhor maneira a encadear cenário e a luz ao découpage, e subitamente descobre uma “mise en sourdine” 1 da teatralidade dos atores que, nos anos 30, deveriam sempre portar seus diálogos como engenhosas tiradas, em grandes cenários. A vitalidade da narrativa é concentrada, e esta ganha em concisão rítmica o que perde em acumulação dos materiais. Esta redução quantitativa dos elementos, este esgotamento do espaço visual e sonoro em relação aos grandes cenários dos anos 30, o emprego menos grandiloqüente e mais flexível da música, imprimiram ao conjunto do cinema hollywoodiano uma transformação estilística. Filmes como Monkey business ou The big sky de Hawks ou Clash by night de Lang, que se situam em torno de 1951, são hoje em dia maravilhosos arquétipos desta abstração, deste “apertão” ( tour de vis) dado não apenas à narrativa mas a todos os componentes do filme.
Mais de trinta anos depois, hoje, podemos hoje reconstituir o caminho que um cineasta, com a ajuda desta língua comum, teve de trilhar por si mesmo para chegar na essência de seus temas. Nesta época da língua comum hollywoodiana, o ponto de vista restritivo sobre a vida de um King Vidor, que divide o mundo em chefes predestinados e em multidões infantilóides ( com exceção do belíssimo American romance), ou ainda o golpe de força simplificador de um Elia Kazan, hipertrofiando o ator em detrimento da polifonia do plano, esta redução do ponto de vista sobre a vida e sobre o cinema, que apenas capta de um tema traços grosseiros, que prefere, à ambigüidade das condutas humanas, imagens unívocas, tornou-se hoje uma lei estética, ou antes: um consenso convencional. As paisagens e os meios sociais do planeta inteiro são registros ilustrativos de um imenso reservatório, mas o conhecimento que podemos ter de conteúdos autênticos é tão frágil, a comunicação potencial tão préviamente “trucada”, a massa de informações disponíveis tão absurdamente extensa, o tempo de assimilação dos conhecimentos e experiências tão derrisóriamente inferior à sua quantidade que em relação à língua comum que havia sofrido uma decadência nos anos 50 ( em parte por um enfraquecimento de sua necessidade), agora é uma nova língua comum que, lenta mas seguramente, se constituiu: a língua do cinema internacional, espécie de compromisso entre a modernidade dos hollywoodianos e dos europeus das recentes gerações. Uma língua que toma emprestado, ao mesmo tempo, da eficácia do telefilme americano, do pragmatismo preguiçoso do áudio-visual europeu ( de que Rossellini foi o infeliz precursor) e das novas linguagens restritas e referenciais do comércio ( pubs) e do espetáculo ( clips), a fim de se constituir em um pretenso instrumento de comunicação universal, quando na verdade esta língua comum não passa de uma retórica oportunista, sempre disposta a capitalizar não importa qual outra nova técnica. Jean-Claude Biette, Le don des langues, Cahiers du Cinéma, julho/agosto 1985. Tradução: Luiz Soares Júnior 1. mise en sourdine: posto de lado, secundarizado em relação a.
O que aconteceu aos cinco parágrafos seguintes?
ResponderExcluirvc precisava de mais? eu jurei que nunca responderia a um anônimo, mas como sou um pedagogo nato, não tive como fugir a este imperativo categórico tolo.
ResponderExcluirEnquanto certas implicações da imagem dentro de uma esfera mais sociológica é muito bom,Júnior.Como notações críticas de cinema me pareceu fraco,preguiçoso.Ao expor um juízo de valor de simplismo aos filmes de Vidor,estaria sendo tão esquemático quanto(o que pensa)do objeto de exemplo...da mesma maneira,acaba generalizando mal e porcamente a obra televisiva de Rossellini e mesmo o cinema de Kazan(cheio de altos e baixos).
ResponderExcluiré claro que é generalista e sum tanto simplista, é antes de tudo um panorama sociológico, mas o insight dele sobre a "língua comum" num lugar que, como Holyywood, foi tão esquizofrênico em matéria de "origens e línguas" que falar em língua comum só pode vir no bojo de um argumento crítico a médio prazo ( e um argumento materialista, que se concentra mais nos meios que nos fins, nas diferenças de cada cineasta). Mesmo assim, o insight me interessa, apesar de achá-lo esquewmático. Os textyos do Biette são irregulares, àS VEZES VC TEM UMA INTUINÇÃO PRECISA MAS QUE NÃO É BEM DESENVOLVIDA, OU É MINIMIZADA/ESQUEMATIZADA PARA SERVIS A PROPÓSITOS POLEMISTAS. cREIO QUE É O CASO AQUI.
ResponderExcluirEsse caps lock...
Ele levanta aspectos que podem ser mui férteis,sobretudo em tempos de aceleração de informações e a anestesia que resulta disso,mas é muito infeliz nos exemplos...esses dias revi o Casino,de Scorsese e a montagem acelerada do filme por mais de épicas 2 horas e 30 minutos,com informações sendo vertiginosamente jogadas no espectador sem quase nenhuma pausa ou uma câmera que pare para respirar seria um exemplo mais pertinente(hehe) e mesmo sendo um bom filme,do que o cinema de um Kind Vidor, que carrega muito de poder de concentração e de sugestão,sem falar nos momentos de limpidez e economia marcantes.Por isso,me parceu despropositado.E chega a ser risível sugerir uma relação do televisivo de Rossellini com o que vemos por aí.Nesse ponto,o exemplo Kazan seria mais apropriado,mas seria ignorar os melhores momentos,os acertos expressivos do mesmo.
ResponderExcluirMas é ótimo de ler.
Oi Junior
ResponderExcluirQuem bom encontrar seu blog, muito legal. Sou apaixonada por cinema e penso que será bacana recorrer aos seus textos para clarear as ideias.
Abraço
Thaise
No caso,teria ele de implicar com o Godard também,pois em seu método de inquietar,existe um despertar para a discussão que envolve "princípios"..
ResponderExcluir...Da fase televisiva do italiano, concordo que seria algo fora de lugar e de tempo se houvesse um didatismo,que é algo que o diretor evita ao máximo.Na verdade,o mesmo Daney chama os filmes de Rohmer de pedagógicos,o que não deixa de implicar princípios...Rossellini,Rohmer,Godard fazem esse cinema que incita debates,embora os dois primeiros nada maneiristas na forma em relação ao segundo.
E a relação que haveria entre Vidor e Rossellini me parece ser que o primeiro antecipa os princípios do neo-realismo do segundo,vide um O Pão Nosso.
As "propostas missionárias" não contam muito,mas sim a maneira de articular tudo isso no espaço-tempo de um filme.No caso do Messias citado por Daney,o que se evita de óbvio ali,cenas habituais de morte e ressurreição do protagonista sequer mostradas,é um diferencial,fazem pensar que filmes mais típicos sobre Cristo,que não tiveram essa preocupação de educar,no fim parecem muito mais ocupados com isso pela Forma,no que carrega de uma intencionalidade patética que se carrega como canga acessória em seu bojo.
Mas é um texto muito bom,Júnior.Não entenda mal,que não achei que não tivesse de traduzi-lo,hehe.Seria uma péssima religião,agora sim,ficar a concordar com tudo como se as autoridades da escrita fossem deuses e o dicionarios uma Bíblia.Não deixa de chamar a atenção que sua ótima proposta esteja "no ar" há tanto tempo,com comentários a serem postados,mas ninguém ou quase fale nada.O silêncio dá a entender que não deva ter o que se discutir a partir deles,ou que seriam a Verdade e ponto final(tipo argumento de autoridade).O que não deixa de ser constrangedor,por um lado.O interessante é que eles provoquem,não se encerrem num ponto final.
Ps.E engraçado,assisto a esses filmes televisivos do italiano como se fossem algo assim como Kiarostami hoje,como visionários de uma era de escombros,como não fossem semelhantes a vanguardas ou contra vanguardas(o que entendemos disso),que já se anulariam em si mesmas..Mas como uma proposta mais modesta,menos "salvadora("pelo traço da Forma) de modernidade.Pós-Moderno e modernidade,a um só e mesmo tempo.
Aliás, Alessandro, esteja à vontade pra criticar o que quer que seja aqui, esse é o tesão da coisa. Como vc bem observou, poucos escrevem. Mas desde que se identifique e não venha ofender pessoalmente o tradutor destas mal traçadas linhas,que tem um puto trabalho com isto aqui.
ResponderExcluirConcordo quanto ao Godard,não sei bem se ele consegue sempre isso,mas o artista costuma fala mais alto,tanto melhor..O Alphaville,por exemplo,é um que talvez peque por excesso discursivo... mas vamos rever para falar com mais segurança.
ResponderExcluirNo caso do Rossellini,creio que na fase televisiva há muitos achados de questionamento dos limites da representação,como anti-clímaxes em torno de figuras míticas,interpretação cômicas,que fazem pensar em um tipo de ironia.
Interessante a maneira como evita o didatismo,a presença do contemplativo,de longuíssimos silêncios e trajetos,antes que qualquer coisa "aconteça"...
O que lembro desses filmes são personagens perambulando para baixo,para cima,falando bem menos do que o que poderíamos esperar de um filme pedagógico...um perambular em que assinalam trajetos históricos.Mas seriam o que,afinal?Movimentos,antes de tudo.Na maioria das vezes nas ruas,ao ar livre,como nos filmes neo-realistas.
Quando Sócrates abre a boca é para uma frase bem humorada e lacônica,uma tirada breve a questionar certezas(as certezas do povo grego,do Senado grego ou as nossas,de espectador?).
Cristo mais perambula do que prega e quando o faz é abrupto e quando esperamos que vai falar mais fica mudo e se retrai.
Mais anda,cumpre seu trajeto histórico que qualquer outra coisa e nem o vemos morrer,nem ressuscitar.
Esse tipo de mutismo,de uma câmera a não devassar seus protagonistas,a não invadi-los, seriam marcas de artista.
De artista pedagogo sim,mas num sentido mais de Rohmer, de filmar "banalidades",e aguardar com calma que dessa banalidade irrompa algo inaudito,mas ainda sim conservando seu traço de opacidade.
Não são filmes nada fáceis..Para quem pensa então em obras pra tv,piorou,chega a ser mais "árido" do que o restante de sua produção.O artista estava à frente e era o que importava.