sábado, 11 de julho de 2009

O quarto verde

É sem dúvida o filme mais original e cativante de François Truffaut. Surpreende-nos uma maturação de temas e de estilo pouco freqüente na obra de Truffaut e no cinema francês contemporâneo em geral. Três novelas de Henry James, « L’autel des morts », « Les amis des amis » , « La bête de la jungle », ajudaram Truffaut a precisar e encarnar dramaticamente sua reflexão sobre a morte. O filme é o reflexo íntimo dessa reflexão, sem dúvida mais longa em seu autor que a saga semi-autobiográfica de Doinel. A morbidez de Davenne é vista sob uma abordagem positiva, e esta constitui a primeira originalidade do filme. Davenne luta de todas as maneiras contra a ingratidão e a indiferença dos vivos, tão comuns para com os mortos. Que Davenne termine por amá-los mais que aos vivos – atitude condenada pela heroína – dá ao filme uma coloração fantástica e conduz o personagem à monstruosidade. Mas aí o toque de Truffaut é ligeiro e empolgante; outra originalidade. Embora isto nunca seja dito, essa morbidez tem a ver com a infância; ela é em parte um recuo infantil diante da ação, da sociedade e da vida. Julie representa para Davenne um tipo de mãe perfeita e, em todo caso, insubstituível. Como disse Jean Mambrino (no prefácio da publicação do roteiro em “L’Avant-Scène”), o filme é, enfim, “dolorosamente materialista” pois Davenne não pode imaginar a presença dos mortos sem ligá-los a um souvenir tangível da existência deles (objeto, foto, etc.), a um culto material dedicado a suas memórias (capela, velas, etc.). O classicismo seco da mise en scène de Truffaut, o lirismo muito contido dos diálogos e da interpretação (Truffaut pensou em Charles Denner para o papel principal), a bela fotografia obscura de Almendros (talvez demasiada lustrosa e superficialmente elegante) oerfazem uma obra que não é em si mesma mágica e sobrenatural, e nem deseja sê-lo. Ela orienta, no entanto, para além das intenções do autor, a emoção e a reflexão do espectador nesse sentido.

N.B.: o fracasso comercial do filme não é nada inexplicável, pois na França a morte e a fortiori o culto dos mortos são, como a doença incurável, temas tabus que, no cinema, afastam o público quase automaticamente.



Jacques Lourcelles


Tradução: Matheus Cartaxo

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