sábado, 11 de julho de 2009

Le voyage à travers l'impossible (1904) - Georges Méliès

Ocupa os números 641 a 659 da Star-Film (septuagésimo oitavo dos cento e quarenta título conservados até a data de 1981). É um tipo de refilmagem e uma amplificação de Viagem à Lua. Na sua enquete sobre « O primeiro Wells », Borges escreve: « Verne escreveu para a adolescência, Wells para todas as idades do homem. Há entre eles uma outra diferença, já indicada pelo próprio Wells na ocasião: as ficções de Verne são sobre o devir provável [...], as de Wells sobre o puro possível. » Méliès, que terá se inspirado em Verne e Wells, mescla sem vergonha e sem complexo as duas fontes. Para ele, a ficção cinematográfica engloba o documentário e a ficção-científica, a descrição do real e do imaginário, o sonho sobre o provável e o possível. Esses limites, que a ficção-científica moderna quer apagar (cf. O Enigma de Andrômeda de Wise), Méliès negou desde a origem. Inventor do espetáculo cinematográfico, Méliès sente que tudo aquilo que aparece sobre uma tela deve ser por essência espetacular, ou seja, fascinante e crível, quer se trate das atualidades reconstituídas ou da féerie mais delirante. Essa intuição pulveriza as distinções falaciosas, e a história do cinema (a despeito dos próprios historiadores) lhe dará inteiramente razão. Efetivamente, um filme como Una voce umana de Rossellini (uma mulher ao telefone sozinha num aposento durante 35 minutos) e Os Dez Mandamentos de DeMille são tão espetaculares um quanto o outro. Notemos brevemente que, com suas atualidades reconstituídas, Méliès terá se antecipado sobre a política-espetáculo. Sua formação de prestidigitador era a melhor possível, não somente para inventar o espetáculo cinematográfico, mas para lhe fixar os valores essenciais, ainda válidos hoje em dia. A mise en scène consiste em efeito, como a prestidigitação, em dirigir e se apropriar do olhar do espectador, em fazer com que ele veja aquilo que se quer que veja, à exclusão de todo o resto. As qualidades psicológicas e as intenções do prestidigitador são também aquelas do verdadeiro cineasta. Tanto um como o outro nos fazem descrer na realidade, ao substituí-la pela deles. Eles tornam o maravilhamento inseparável da inquietude, o fantástico e o humor indissociáveis da vertigem. No o plano técnico, certos exegetas modernos querem a todo custo que haja montagem em Méliès, como se isso aumentasse sua modernidade. Ao contrário, os planos longos e generosos aos quais estava restrito e que apenas desejava enriquecer através de uma profusão de trucagens, e eventualmente de personagens, unir-se-ão ao cinema mais moderno, ou antes: serão reencontrados por ele. Dando a ver ao espectador a porção do real que escolheu (pelo lugar da câmera e pelo quadro), fornecendo-lhe uma (falsa) impressão de liberdade em relação ao conteúdo desse quadro, seu cinema anuncia, para citar apenas dois nomes, o de Tati e o de Fritz Lang. A reflexão sobre Méliès está apenas começando; ela não está perto de chegar ao seu término porque ,nesse precursor genial, as noções de base do cinema como espetáculo já se encontram largamente exploradas.


Jacques Lourcelles

Tradução: Bruno Andrade

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