sexta-feira, 15 de maio de 2009

A Revolta dos Gladiadores

Certo, um filme de época não é algo sério, necessariamente. Além do mais, este aqui está cheio de erros históricos. Por exemplo, Tito Lívio nos fala de um cão fidelíssimo, pertencente ao procônsul da Armênia, que atendia pelo nome de Medorus. Onde está este cão? Enfim, o roteiro é infantil, e só vejo o argumento da Flauta encantada de Mozart para rivalizar com ele em termos de ingenuidade e inverossimilhanças.
Vittorio Cottafavi é um jovem metteur em scéne italiano que realizou uma quinzena de filmes com títulos proibitivos, completamente desconhecidos dos amateurs de cinema. Pudemos ver na França: Femmes libres, Fille d’amour, L’’affranchi, Repris de Justice, Milady e os Mosqueteiros, O Carrasco de Veneza, Le Prince au masque rouge e esta Revolta dos gladiadores, co-produções dubladas, com um aspecto miseravelmente “alimentar”, distribuídas- com exceção da última- entre Belleville e a Porte Saint Martin. Todos estes filmes são interessantes, quatro ou cinco contém belezas às quais nenhum outro cineasta europeu pode aspirar emular, duas são obras-primas: Milady e Femmes libres.

Sem dúvida, Revolta dos gladiadores não constitui uma excelente introdução ao conhecimento de Cottafavi. A mise en place, até agora extremamente íntima, fundada sobre as possibilidades maiores de surpresa, de “surgimento” e de seleção, oferecidas pela tela normal, tem tendência a se diluir nesta primeira confrontação com o formato Cinémascope, provocando um certo relaxamento geral, e tempos longos desnecessários. No entanto, há ainda muitos planos tensos, “esfolados vivos”, agudos e ferinos como diamantes, para servir de suporte e referência a algumas proposições sobre o gênio de seu autor. Deixando seus compatriotas tateando nas brumas neo-realistas, este, à semelhança de Preminger e Mizoguchi, cinzela seu delírio em filmes preciosos, paroxísticos, oscilando entre os dois pólos de sedução, do amor e da morte, fantasmas maiores que se resolvem em uma sublimação dos gestos. Que me importam os pretextos, se os eventos se dissolvem na magnificência da expressão? Mais que qualquer outro, Cottafavi se liga aqui à beleza dos rostos, beleza crucificada, magnificada nos suplícios, nostalgia de um universo de príncipes onde apenas os jogos de príncipes são permitidos. Máscaras, venenos, flagelações, palácios, pesados cortinados, punhais (e seus equivalentes modernos) só conhecem duas conclusões possíveis , esta “lentidão “ ( ralentissement) súbito do homem que estaca diante de sua própria morte, os olhos perdidos, janelas sem fundo, ainda aqui e já fora do mundo, e nos oferecendo, em um último estilhaçamento, o segredo de uma divindade dolorosa, ou então esta cintilação de dois corpos enfim reunidos, grupo esculpido no instante e, no entanto, de dimensão eterna. Assim se encontra ilustrada a mise en scéne que amamos , seqüência de impulsos e de repousos, espelhamentos, gritos, jogo gratuitos e “fora de propósito” ( hors de propos) que nos falam do essencial.
Michel Mourlet
Tradução: Luiz Soares Júnior

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