sexta-feira, 27 de março de 2009

La fiamma che non si spegne, Cottafavi 1949

Baseado num fato real, ilustrado nas últimas sequências, este severo elogio das virtudes morais e do senso de sacrifício, reconduzidos de geração a geração, estava de tal forma na contracorrente da época ( estamos em pleno início do neo-realismo) que suscitou uma polêmica no Festival de Veneza de 1949. Crônica de ritmo fluido e cativante, Fiamma che non se spegne é iluminado, em seus momentos mais fortes, por um lirismo de caráter trágico: perseguição do carabineiro no início do filme por marginais, em um depósito de locomotivas; seu casamento precipitado e noturno, quando de uma folga no serviço; a cena onde sua esposa recebe a notícia de sua morte ( “ Nós não vemos de imediato seu rosto, escreve Mourlet, mas ela se volta para a câmera com lágrimas que nascem. E assistimos ao assalto lento e inelutável de uma alma pela dor, filmado face a face nesta câmara, nesta solidão absoluta, como se, ao penetrarmos aí por efração, contemplássemos com uma espécie de terror sagrado, aquilo que ninguém deveria contemplar”); e, claro, a execução final, a mais bela seqüência da obra de Cottafavi, a respeito da qual o realizador confessou que se deixou guiar, na direção da cena, por sua admiração pela música de Bach. Ao longo de todo filme, as cenas de ação e as cenas íntimas se encontram situadas em um mesmo plano de intensidade quase litúrgica, realização das pesquisas formais do cineasta. A liturgia suprime o Tempo, dirime a História; ela recoloca cada ação trágica em uma continuidade de ordem religiosa que é uma espécie de eternidade: a chama que não se extingue.
Assim, o retrato da execução de um soldado anônimo em uma guerra com milhões de mortos terá a mesma grandeza, merecerá tanto esmero em sua composição quanto o suicídio de Marco Antônio e Cleópatra. É porque ele visa, antes de tudo, à eternidade que o cinema de Cottafavi ignora -soberbamente- o neo-realismo.
Jacques Lourcelles
Tradução: Luiz Soares Júnior.

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