quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Johnny Guitar, Nicholas Ray

É uma destas obras-primas do cinema americano que, em seu lançamento, parecem só ter sido compreendidos na França. No entanto, tudo é excepcional neste western mítico frequentemente colocado, desde cerca de 20 anos, na frente da lista de melhores filmes do gênero, estabelecidos pelos críticos e cinéfilos do mundo inteiro. Podemos nos espantar que um filme tão original e pessoal como este tenha saído dos estúdios da Republic, a firma americana mais pobre em matéria de autores (Praticamente, nenhum autor da nova geração encontrou aí lugar. Dos antigos, só Dwan conseguiu se exprimir de forma constante , entre 1946 e 1954. Ford e Borzage realizarão alguns filmes importantes, e é necessário colocar à crédito da companhia a distribuição de House by the river, de Lang).
Não menos surpreendente é o fato de que o personagem principal seja uma mulher ( o filme foi concebido para Joan Crawford), mas também que os dois protagonistas mais determinantes e ativos na intriga sejam mulheres, ligadas entre si por um ódio visceral, um ciúme freudiano que se pode qualificar de único nos anais do western.
Quanto à Nicholas Ray, longe de buscar no western uma especificidade que os cineastas de sua geração vão encontrar frequentemente no aspecto histórico ou moral do gênero, ele escolhe utilizá-lo para contar uma história sentimental, lírica e desencantada, onde alguns se aventuraram a reconhecer elementos autobiográficos, já que o realizador tivera com sua estrela um caso alguns anos antes.
De qualquer modo, este “desvio” do gênero ( que inclui também uma parábola anti-maccarthysta , presente em diversos westerns do período, vide Silver Lode de Dwan) dá lugar a cenas de uma melancolia comovente. O amor, vivido como uma reminiscência, se exprime através de lamentos, de questões, de falsas confissões encadeados em diálogos soberbos e tornados célebres com justiça. Todos os personagens, mesmo os mais modestos, possuem um grande relevo ( vide o papel de John Carradine, empregado de Joan Crawford). Vários dentre eles servem à temática habitual do autor: um violento que tenta recalcar sua violência ( Sterling Hayden ), um adolescente vítima desta mesma violência que havia começado a praticá-la sem saber direito o que fazia ( Ben Cooper no papel de Tucker).
Enfim, temos também o uso do Trucolor, que foi rapidamente abandonado devido a seus defeitos, mas que suscita aqui interessantes pesquisas plásticas. Ray se esforça por eliminar ao máximo o azul, que o sistema reproduzia mal, para acentuar- fenômeno paradoxal num filme em cores- as tonalidades de preto e branco. O negro das roupas da multidão em fúria. O branco do robe de Joan Crawford tocando piano em seu saloon, semelhante a uma caverna.
Ao estreitamento clássico do tempo e dos espaço se opõem um conjunto de elementos barrocos, relativos sobretudo ao cenário no qual se movem os personagens. E este contraste, barroco em si mesmo, é um elemento a mais para a fascinação e originalidade provocantes do filme. Eles testemunham a extrema liberdade de um poeta que evolui no seio de um gênero ao mesmo tempo extremamente codificado e aberto a toda inovação.

Jacques Lourcelles, Dicionário de filmes.
Tradução: Luiz Soares Júnior.

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