quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Bom dia tristeza, Preminger

No interstício entre dois períodos, o filme ocupa um lugar à parte na obra de Preminger. É o único onde o autor deu a um tema pequeno, de caráter intimista e trágico ( caráter este que figura em geral na primeira parte de sua obra), os atributos – o scope, a cor- que ele reserva com frequência ao tratamento dos grandes temas políticos e sociais. A fim de bem demarcar a dupla natureza, a natureza um pouco híbrida do filme, Preminger rodou em preto e branco as sequências atinentes ao presente da ação. Os dois tipos de sequência ( o passado em cores, o presente em preto e branco) são unificados por um comentário em off muito importante no filme, pois ele orienta ao mesmo tempo sua estrutura, seu conteúdo emocional e moral. Ele projeta a heroína e o filme em uma espécie de eternidade gélida, apesar de excitante para o espectador, onde a narradora revê e retoma indefinidamente uma história que a fez sair , sem dúvida irremediavelmente, do universo livre e descuidado da adolescência e de sua conivência com seu pai. A história de Bom dia tristeza é a de um paraíso perdido para sempre para a heroína, sob os efeitos conjugados de sua lucidez e de uma vontade perversa de agir e de triunfar. Junta-se a isso um desejo mais secreto de imobilizar o tempo a seu bel-prazer. Cécile procura prolongar até os limites da saciedade o conforto de uma célula familiar reduzida à sua mais simples expressão, aquela de uma relação pai-filha que inclui em si mesma, com uma perfeição interdita, todas as outras relações que possam unir dois seres.
A intenção de Preminger de adaptar o romance de Sagan não deve surpreender, já que a intriga do romance se assemelha muito à de um de seus primeiros filmes, Angel face, 1953. Sendo a obstinação uma de suas virtudes principais, ele não se deixou desanimar pelo insucesso monumental de Santa Joana, e retomou a parceria com a atriz que descobrira, Jean Seberg. Ele descobriu e forjou em Seberg uma personalidade física, um talento inteiramente novo e fascinante ( Santa Joana e Bom dia tristeza foram os únicos grandes filmes de Jean Seberg, uma carreira que desejaríamos ter sido mais rica e mais feliz).
Uma influência discreta da pintura abstrata (que Preminger adorava colecionar) faz-se presente na mise-en-scéne do filme. O rosto- os rostos- de Jean Seberg se entrecortam, ao sabor das sequências, sobre fundos unitários e coloridos, segundo uma dinâmica plástica que ressona tanto sobre o caráter único e autônomo de cada sequência quanto sobre a adesão e confrontação contrastadas das mesmas no conjunto da narrativa. Bom dia tristeza é, ainda mais nitidamente que os outros filmes de Preminger, um filme tanto de artista plástico quanto de dramaturgo.


Jacques Lourcelles Dicionário de Filmes. Tradução: Luiz Soares Júnior.

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