quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

À beira do mar azul, Barnet 1935


Soberbo pedaço de poesia do mais inspirado e “artista” dos cineastas russos. Primeiro filme falado do realizador, À beira do mar azul guarda ainda um pé no mudo e permite aos personagens se exprimir ora pelo silêncio, ora pela palavra ( poucas palavras), ora pelo canto. Obra dionisíaca, tudo nela jorra e se transforma alegremente em seu contrário. A intriga é composta por eventos minúsculos, imponderáveis, aliás com freqüência improvisados no estúdio; e, no entanto, os personagens dão-nos a impressão de viverem uma grande aventura. A maioria das sequências utiliza uma montagem curta, entrecortada, mas que ao fim possui uma grande amplidão lírica, devido ao interesse equilibrado que o autor dispensa às paisagens e aos personagens.
Estes últimos são pobres diabos desprovidos de tudo, espécies de clowns próximos dos heróis de Gosho ou de Jacques Rozier, e no entanto dão verdadeiras lições de vida. Desprovido de mensagemn política, o filme transmite uma mensagem de alegria, felicidade e reconhecimento para com a vida. A crítica russa da época foi violenta ( vide os documentos reunidos na excelente publicação do Festival de Locarno, Boris Barnet, 1985). Reprovou-se sobretudo seu vazio, seu formalismo, falta de imaginação, ingenuidade, seu artifício. Um dos críticos ( Herrman Khokholov) lamenta que o mar constitua de qualquer maneira o personagem principal do filme”, o que em certo sentido não é falso, mas ele lamenta que “este personagem não possua nenhuma simpatia particular”. A quem se interessasse por abordar o imenso continente cinematográfico russo, não haveria melhor conselho a dar que o de começar por À beira do mar azul. Pois não há obra mais original, mais livre de todos os cânones estéticos e ideológicos, mais intimamente próxima do seu autor e mais de acordo com esta infinita vitalidade cósmica do universo que os melhores filmes russos sempre tentaram restituir.

Jacques Lourcelles.

Tradução: Luiz Soares Júnior.

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