terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O sargento negro, por Jean Douchet



Ao permanecer fiel a si mesmo, John Ford torna-se novamente um cineasta de vanguarda. Semelhante permanência nos temas e na escritura conduziria qualquer outro ao academicismo. Mas a juventude de seu coração, e sobretudo uma fé profunda e intacta em uma tradição preservam este autor da secagem das fontes. Não há em sua obra um único ensaio de renovação. O sargento negro poderia ter sido filmado em 1938, ao mesmo tempo em que No tempo das diligências. Ele não aporta nada mais. Mas é tão belo quanto.
Reencontramos no filme os personagens caros ao autor: o coronel amuado, o jovem tenente intrépido e as mulheres cacarejantes e deliciosamente ridículas. O humor é rijo, tônico e “simpático” ( bonhomme). Nada aqui é complicado. Um sargento negro, logo após a Guerra da Secessão, vai para uma corte marcial. Acusam-no de dois assassinatos e do estupro de uma Branca. As testemunhas desfilam diante das barras do tribunal. Por uma sucessão de flashbacks, a verdade vem à luz. O sargento negro aparece-nos como um soldado de honra e um verdadeiro homem. Seu defensor, o jovem tenente, defende-o calorosamente. A verdade finalmente advirá perante todos, o assassino desmascarado.
A arte de John Ford é tradicionalista porque se funda sobre as virtudes dos simples. Virtudes, em nossos dias, esquecidas, ou mesmo desprezadas. É por isso que vários espectadores saíam deste filme rindo de suas ingenuidades, assim como de seus bons sentimentos. É bem evidente que Ford negligencia as sutilezas. Os refinamentos intelectuais o interessam menos que a nobreza do coração.
Seu estilo também não está ali para nos arrebatar. De um classicismo absoluto. Encontramos mesmo alguns arcaísmos, como este procedimento que consiste em obscurecer lentamente a sala do tribunal para anunciar um flashback. Tudo aqui está perfeitamente em seu lugar. As ações em primeiro plano respondem às que se desenrolam na profundidade de campo, como os planos americanos aos gerais. Um estilo sólido como rocha. Mas no interior sentimos o frêmito e a sensibilidade áspera do excelente artesão. E que admirável direção de atores! Um pouco pesada talvez, mas que sabe revelar com justeza admirável as reações exatas das pequenas gentes. Sabemos que Ford os conhece e ama, embora caçoe de seus defeitos.
E neste mundo de simplicidade onde este cineasta nos lança, não são os momentos melodramáticos os que nos transtornam mais. Mas antes certas imagens ingênuas ( naïves) , ou mesmo cromos. Elas adquirem subitamente no contexto uma força emocional extraordinária. Assim, certa imagem do sargento negro destacando-se orgulhosamente contra luz, enquanto vela por seus camaradas. É preciso redescobrir John Ford, cineasta ilustre e desconhecido.

Jean Douchet, Arts, número 794, do 2 ao 8 de novembro de 1960. Extraído de A arte de amar


Tradução: Luiz Soares Júnior

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