sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Viagem insólita, Joe Dante

Se Viagem insólita fosse um vinho ( e este possui as propriedades de euforia da bebida) seria um vinho particularmente encorpado, como se diz. O filme de Joe Dante amadureceu sob o sol da História do cinema e de predecessores visionários que sempre pensaram que seu instrumento favorito era, antes de tudo, um instrumento de viagem. Desde Méliès, grande número de diretores empreenderam toda espécie de expedições, conquistas e odisséias cuja ambição consistia em fazer recuar cada vez mais os limites do visível. Mas ninguém até hoje- salvo Richard Fleischer com seu Viagem fantástica- havia imaginado que uma das aventuras mais fabulosas poderia estar ao alcance da mão do homem (ou de uma seringa). O corpo humano como um território de geografia variável. Cavalgada fantástica nas cavidades dos órgãos humanos, travessia sob as cataratas da faringe, mergulho submarino nos riachos impetuosos do sangue. Mas isto não é suficiente; é preciso que haja ainda um desafio. O desafio do filme de Dante é burlesco, logo humano. Encontro entre a matéria e o espírito, a alma e o corpo. Viagem insólita se apóia sobre o rompimento com um roteiro original, como ocorre sempre com o cineasta americano ( ver Gremlins). Depois de uma operação de miniaturização, um herói interespacial ( Dennis Quaid), refugiado numa nave microscópica, se encontra ejetado no interior do corpo de um homem, ao invés do corpo de um coelho. O "continente" é um pobre caixa de supermercado, totalmente neurótico, inibido e hipocondríaco ( Martin Short, absolutamente hilário): o melhor cliente de um médico que lhe recomenda justamente evitar as "emoções fortes". A força do filme está em pôr em relação estes dois homens em um único, em estabelecer uma ligação entre o dentro e o fora, a exterioridade e a interioridade, recusando-se assim em visar a viagem sob um ponto de vista unicamente feérico. Dennis Quaid se comunica oralmente com Short se colocando diretamente, como uma pulga, sobre sua orelha, e descobre em sua tela de controle o que o corpo habitado vê do mundo exterior ( fixação dolorosamente cômica sobre o nervo ótico). Como um espectador de cinema, ele "é todo olhos e orelhas". O "miniaturizado" e a "grandeza natural" estão no mesmo barco; devem, portanto, cooperar, coordenar seus esforços ( face aos espiões) para que um reencontre o seu formato originário e o outro o seu conteúdo originário. É preciso então aprender a se conhecer, e é através desta interdependência que Viagem insólita torna-se profundamente humano, pois se abre para o desconhecido, ao Outro como potencial de descobertas. Este Outro que vai me permitir espreitar de sopetão o corpo que eu mesmo sou capaz de criar. Antes de chegar ao parto final por meio de um espirro, a viagem é repleta de peripécias que mudarão estes homens: o complexado se transforma em super-herói ( capaz de demolir não importa qual colosso) digno de James Bond. Enquanto que o herói, já tornado minísculo como punição por sua arrogância ( início do filme), se sente a um certo momento ainda menor, mas desta vez num bom sentido: ele acede à humildade. Uma breve passagem no corpo de sua amada ( em seguida a um beijo) lhe dá a oportunidade de descobrir um espetáculo único e grandioso: o feto de seu próprio filho. A cena é de uma cativante beleza, até por ser bem curta. O pai chora de felicidade, simplesmente. Ele acaba de ver a invisível verdade humana ao vivo, e não por intermédio de telas e imagens parcialmente "desrealizantes" ( ecografia).
Hino de amor ao cinema e às suas múltiplas representações, Viagem insólita é um filme clínico, metafísico, pornográfico e poético. Ele trabalha o corpo e suas secreções ( saliva, urina, sangue), o somático e o psíquico ( a angústia, o desejo, o medo da perda). O minúsculo mundo de Joe Dante lhe ( nos) permite ver as coisas "de forma grande".


Jacques Morice

Tradução: Luiz Soares Júnior

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