sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

No silêncio de uma cidade, Lang

Penúltimo filme americano de Lang. Um dos ápices de sua carreira; em nossa opinião, seu melhor filme. A partir de um romance, mas sobretudo de narrativas de diversos fatos découpados nos jornais e que ele tinha o hábito -conservado até o fim de sua vida, mesmo quando não mais trabalhava- de colecionar, Lang escreveu minuciosamente o roteiro com Casey Robinson, e este será um dos mais sofisticados de sua carreira. Preparação não menos minuciosa da filmagem que vai permitir utilizar- sendo o orçamento do filme médio- os intérpretes prestigiosos reunidos para o filme ( George Sanders, Ida Lupino, Thomas Mitchell, Rhonda Fleming) apenas por quatro ou cinco dias cada um, embora se tenha a impressão de vê-los presentes ao longo de toda intriga
( Apenas Dana Andrews pôde obter um número de dias maior). A ambição do filme é imensa, a perfeição de seus estilo, cujos elementos evitam se valorizar, sóbria e eficaz. Lang quer dar a ver um panorama muito vasto da sociedade americana, fundada para ele na competição e no crime. Como a competição e o crime vieram a estar indissoluvelmente ligados, eis o seu tema, de onde decorrem as características de seu estilo, obedecendo todas a uma estética da necessidade que nenhum outro cineasta levou tão longe. Criador solitário e exigente, Lang não é contudo o mais inovador do cinema americano. No silêncio de uma cidade integra e interioriza de alguma forma a revolução trazida no ano precedente à narrativa policial por A morte num beijo. A partir de agora, não há bons nem maus na intriga. A ferocidade da competição colocou todas as individualidades no mesmo nível, no grau zero da moral e da consideração pelo outro. Se examinarmos com uma lupa ( o que faz o filme) o comportamento de cada um dos personagens implicados na ação, ver-se-á que nenhum deles tem a mínima idéia do que lhes poderia servir de base moral, ou então- o que é pior ainda- que sacrificam às suas ambições os poucos escrúpulos que poderiam ter, comportamento considerado normal na sociedade onde evoluem. A partir disso, o criminoso que os jornalistas procuram tão ardentemente , a fim de obterem um posto, torna-se não apenas sua presa mas seu espelho. Este é de alguma forma mais digno de piedade que eles.
Lang conduz aqui a um grau de perfeição absoluta sua arte das ligações necessárias ou mesmo fatais entre as seqüências. Quer seja por um elemento visual, do diálogo ou pelo efeito de uma causa dramática particular, as seqüências se encadeiam umas às outras segundo um ritmo e uma progressão lógica que parecem obedecer a algum Fatum, quando em realidade não são mais que a conseqüência das iniciativas entrecruzadas de cada um dos protagonistas, ocupados a suplantar, utilizar ou aniquilar o outro- vasta teia de aranha onde finalmente todos se encontram presos. Refinamento supremo da mise em scéne: estes compartimentos vidrados que, no interior dos escritórios do jornal, separam os personagens, permitindo-lhes ver-se mutuamente, e que dão à narrativa a possibilidade de desenrolar várias seqüências frontalmente ( de front), captadas em uma permanente interação. Este entrelaçamento magistral é visto na luz soberba de uma fotografia metálica, com cintilações gélidas. Depois de muitos avatares e metamorfoses, encontrando-se repensado através da experiência e do estilo de um cineasta meticuloso e genial, o microcosmo expressionista reaparece aqui- talvez pela última vez- lavado de todas as suas escoriações, dotado de uma pureza expressiva cuja abstração e concentração fascinam. É uma pequena porção do inferno onde as criaturas se agitam , acreditando-se livres e ativas, sob o olhar de um cineasta que não quer nada senão ver bem e “dar a ver” bem o real, embora mantendo sobre todas as coisas o ponto de vista de Sirius.

Jacques Lourcelles
Tradução: Luiz Soares Júnior

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