quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Rio Sagrado, Jean Renoir

Após vários anos passados na América, que não constituem sob o plano criativo um período crucial de sua obra, Renoir não retorna diretamente à Europa (onde realizará os quaisquer filmes essenciais que encerrarão sua carreira). Ele faz um atalho pela Índia, sobre a qual não se esquiva de exprimir um olhar de ocidental, e nos confia esse filme magnífico que marca a um só tempo uma pausa na sua obra e uma dilatação filosófica de suas perspectivas. O Rio Sagrado é representativo da dupla ambição que anima os maiores cineastas do pós-guerra: ir ao mais profundo da intimidade dos seus personagens e ressituá-los - eles e suas experiências - numa visão global e planetária da realidade. Sob esse ponto de vista, O Rio Sagrado é o mais rosselliniano dos filmes de Renoir. Graças a um roteiro refinado e sólido que une com uma maravilhosa fluidez um grande número de elementos díspares, o filme instala seu objetivo numa série de níveis: sentimental, familiar, social, racial, filosófico, espiritual e metafísico.
Da mesma forma, os espaços onde se situa a história vão do mais íntimo ao mais cósmico: o coração de Harriet, a família inglesa, as beiras do rio e o próprio rio, a Índia e o mundo. Em todos esses aspectos, o filme é uma homenagem ao esplendor das aparências, à sabedoria da vida e à unidade do grande Todo. Com relação a essa unidade, o indivíduo, no seu foro interior, na sua história pessoal, pode se sentir separado, exilado, mas esta é uma ilusão perigosa que deve desaparecer e dar lugar ao reconhecimento do equilíbrio superior dos ciclos vitais, ao consentimento à ordem natural das coisas e à coerência do universo. A consolação suprema vem, aos olhos de Renoir, do fato que no universo a parte é tão importante quanto o todo, é realmente, na sua humilde proporção, o todo; e essa convicção se reforça no decurso de sua estadia na Índia. A ambição filosófica do filme encontra seu correlato no minucioso êxito estético de sua realização. A distância entre os atores (profissionais ou não-profissionais) e os personagens que interpretam se encontra em O Rio Sagrado por assim dizer reduzida a zero. Não seria esse o sonho de todo diretor? O documentário e o ficcional aliam-se na história e recriam ao nível formal esta unidade que o filme defende no nível metafísico.
Quanto à foto de Claude Renoir, considerada a justo título com a de A Carruagem de Ouro como uma das mais memoráveis da história do cinema, ela encarna nas suas nuances e na sua riqueza o propósito do autor, a gratidão que sente em relação ao universo e a perfeita serenidade que se propõe a atingir.
Jacques Lourcelles, Dictionnaire du cinéma - Les films

Tradução: Bruno Andrade

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